Meu nome é Paulo, e tive avch no dia 18 de fevereiro de 2007, um domingo de carnaval. Tinha 49 anos. Estava magro, caminhava muito, mas fumava bastante e não costumava ir ao médico.
Depois de uma noitada assistindo filmes até tarde, acordei cedo, creio que por volta de 9 horas, contrariando meu hábito de dormir até quase meio-dia, principalmente em um domingo.
Tive uma dor de cabeça fortíssima, latejante, coisa que nunca me aconteceu, nem quando eu bebia e tinha ressacas fenomenais. Devido à dor de cabeça, não acendi o cigarrinho de costume e tampouco quis tomar café. Fui ao banheiro, fiz xixi. Minha mulher disse que a têmpora estava vermelha e até me deu uma toalha umedecida em água gelada, para aliviar.
Voltei a me deitar, encostando a cabeça no braço do sofá. Creio que já havia passado mais ou menos meia hora desde que despertara, quando me deu nova vontade de fazer xixi. Aí, quando fui me levantar, a perna esquerda não me obedeceu mais. Erguendo-me com o impulso, dei dois passos, capenguei e caí em cima de almofadões que estavam no chão da sala. Tentei me apoiar no braço pra levantar e a perna parecia boba.
Minha filha gritava: "pai, pai, que foi?" E minha mulher falou: "chama o resgate" (tendo já presenciado o pai dela ter vários AVCs, ela já deduziu).
Minha mulher insistiu pra que eu ficasse quieto, não tentasse mais levantar. Então acabei mijando numa bacia.
Primeiro ligaram pro Samu e depois pros Bombeiros. Os dois socorros chegaram quase ao mesmo tempo. A paramédica viu a pressão e me mandou apertar as duas mãos dela. E vi que fizeram sinais entre eles e falaram uma sigla que talvez fosse AVC, nao tenho certeza. Me espantei que escutei pressão 24 (não me lembro do outro número). Como o elevador do nosso prédio é pequeno, e só havia maca comum, me colocaram meio amarrado numa cadeira pra descer. Apenas no hall de entrada do prédio, me colocaram na maca.
Bem na hora em que estavam me colocando no carro dos bombeiros, chegou a dra M arice, médica, sobrinha de minha mulher. Em menos de dez minutos, chegamos ao PS da Santa Casa de SP. O lugar estava lotado. Típica cena de hospital público em feriado. Corredores cheios de pacientes nas macas. Mediram minha pressão, que melhorou um pouco: 22. Pedi pra fazer xixi e deram um saco plástico. Parece que colocaram soro e me deram algum remédio.
Dali a mais ou menos meia hora, minha dor de cabeça piorou muito, comecei a tremer e a boca entortou completamente. A tremedeira era muito forte, a ponto de terem de me segurar pra nao cair da cama. Aí apaguei.
Dessa parte em diante, quem vai contar é a minha mulher, porque a minha história é muito longa. Foram 35 dias em coma, 60 na UTI e 5 meses no hospital.
Tem dias que acordo e ainda penso se estou em um pesadelo do qual não desperto quando me vejo dormindo em um colchonete no chão e uma cama hospitalar ao lado, onde ressona meu marido. Me levanto assustada e me dou conta de que é hora de verificar a pressão arterial e dar as medicações. Respiro fundo e vejo que não é um pesadelo. Aí penso: "pesadelo foi o que vivemos há pouco mais de dois anos. Agora estamos em casa. Ele já fala, conseguimos conversar e alimenta-se quase que normalmente".
Depois desse trecho contado em primeira pessoa por PP (Pepê como é conhecido por causa das iniciais do nome), um jovem médico residente saiu correndo com a maca para o setor de emergência. Provavelmente estava convulsionando e lhe deram um diazepan. E eu precisei sair de perto.
Enquanto aguardava por notícias lá fora, minha sobrinha procurava me tranquilizar, dizendo que poderia ser um coágulo, uma artéria que obstruiu e logo se dissiparia...
Eu nem sabia no que pensar. Pressenti algo muito grave e telefonei para todas pessoas queridas que localizei pela agenda. Entre os que correram para o hospital, estavam Angela, minha amiga mais solidária, e o casal de amigos quase vizinhos, Rivaldo e Juraci, que conhecem PP desde que ele tinha uns 16 anos. Minha filha também telefonou para uma amiga dela, que foi pra lá com o namorado.
A antesala do PS mais parecia o saguão da antiga rodoviária de SP, com cadeiras de plástico, um bebedouro e uma tv mal sintonizada na parede. Todas pessoas olhavam pras imagens que se moviam e ninguém conseguia prestar atençao.
Não tenho idéia de quanto tempo se passou naquela angustiante espera por notícias. Casal de amigos da minha filha trouxe café, refrigerante e um lanche. De repente, a médica nos chamou. Mostrou a tomografia e disse que PP tinha um sangramento imenso, que ocupava toda parte superior e o lado direito da cabeça. Era uma situação de emergência, do qual tentariam tirar por uma cirurgia. Falou que só iniciaria os preparativos do centro cirúrgico e os procedimentos quando eu conversasse com a assistente social e assinasse autorizaçao. A doutora disse algo como: "Vamos ter de abrir para diminuir a pressão craniana. Será uma tentativa. É uma situaçao muito grave, nao garantimos resultados. Vamos entrar com ele, nao sabemos se sairá. E se sair, nao sabemos como ele ficará, se precisar, teremos de sacrificar parte do cérebro para preservar a vida. Mas nem isso garantimos".
Estava escurecendo quando nos informaram onde era o prédio do centro cirúrgico. O complexo hospitalar é imenso, ocupa uma quadra inteira. Pela primeira vez percorri aquele espaço em que construção moderna se intercala a paredes de tijolo a vista com torres que lembram Notre Dame. Chegamos a um corredor mal-iluminado, com o chão de cerâmica vermelha. Teto muito alto, que aumentava em nós a sensação de desolação. Daquele lugar, me lembro de ter telefonado para outros amigos e também para a família dele.
Minha sobrinha retornou com o marido dela, trazendo agasalhos. Disse que devíamos nos preparar pra passar a noite naquela espera. Eu fiquei sentada nos bancos do andar térreo, enquanto minha filha subiu com a prima. As duas ficaram o tempo todo na porta do centro cirúrgico. Previsão era de que demorassem pelo menos de 4 a 5 horas. Nosso medo: que a porta se abrisse antes desse tempo. Felizmente isso não aconteceu. Creio que pouco antes da meia-noite, a neurocirurgiã abriu a porta e informou que terminaram. Com a roupa respingada de sangue até nos sapatos, contou pra minha filha que fora a maior hemorragia que já viram. Agora, nos restava voltar pra casa e retornar na manhã seguinte, no horário de visitas.